Baseado em fatos reais

“O bebê está morto”.

Essa é a frase que inicia o livro Canção de Ninar, de Leïla Slimani.

Mãe de duas crianças pequenas e frustrada com a rotina de dona de casa, Myriam decide retomar seu trabalho como advogada, mesmo após a relutância do marido. Para que isso seja possível, o casal precisa encontrar a babá perfeita. Louise foi contratada como babá pelo casal depois de um rigoso processo seletivo, em que ela foi aprovada com excelência. Ela se dá bem com as crianças, mantém a casa sempre limpa, faz tarefas além das que lhe são designadas e não reclama quando precisa ficar até tarde. À medida que o tempo passa, a empregada torna-se indispensável aos patrões e essa relação de dependência dá origem a pequenas frustrações, conflitos e culmina na tragédia descrita na primeira página.

Canção de Ninar não é o primeiro (e muito menos o último livro) a retratar as relações de poder dentro de uma casa, sobre como se dá a relação patrão-empregado, as cobranças envolvendo a maternidade e preconceitos entre classes e culturas.

Ele me chamou a atenção por ser baseado em um caso real que aconteceu na cidade de Nova Iorque, no ano de 2012. Yoselyn Ortega, a babá da família Krim, assassinou os dois filhos de Marina Krimn Lucia, 6, e Leo, 2. Apesar de ser inspirado em uma história real, Slimani em uma entrevista, afirmou não ter acompanhado o desfecho do caso para que os fatos reais não interferissem em sua narrativa.

O fato de que a autora revela o final logo do começo do livro só me deixou com mais vontade de entender o que aconteceu para que a babá chegasse ao ponto de matar as crianças. Desse modo, ela prepara o leitor para o que está por vir, fazendo com que nosso olhar fique muito mais atento para o caráter psicológico dos personagens e como a tensão entre eles foi sendo desenvolvida para chegar ao final.

Fiquei fascinada pela facilidade da autora em trazer temas complexos de forma simples e direta. A construção da história e a caracterização psicológica de seus personagens foi feita com maestria.

O livro abre precedente para discussões dos mais diversos temas. Entre eles, gostaria de explorar a relação entre patrão e babá desenvolvida pela autora e a criação de expectativas em torno da figura materna pela sociedade.
Slimani, em uma entrevista, comenta o dilema enfrentado por pais na hora de empregar alguém para cuidar de seus filhos, uma vez que contratar uma babá significa pagar uma pessoa desconhecida para amá-los e tratá-los com carinho. A questão é que, embora os pais almejem uma boa relação entre crianças e babá, têm medo de tal vínculo enfraquecer o próprio deles com os filhos. Além disso, é impossível estipular requisitos ideais para admitir uma nova pessoa no ambiente familiar, uma vez que esta foi criada em um contexto diferente, com outros valores e toda uma história de vida que não é conhecida. Isso fica bastante explícito no livro pois, embora Louise tenha cumprido todos os requisitos estabelecidos pelo casal e parecesse a babá perfeita, demonstrando afeto por Mila e Adam, isso foi insuficiente para impedir a tragédia que acontece no fim da história.
No quesito responsabilidade materna, há a impressão de que a vida de uma mãe precisa girar em torno de seus filhos. Quando a primeira filha do casal nasce, Paul continua trabalhando enquanto Myriam “naturalmente” abdica de uma promissora carreira como advogada para ter mais tempo para cuidar dos filhos. No entanto, quando ela retoma o trabalho, é questionada e julgada. Leïla disse a seguinte frase em uma entrevista “As pessoas lhe dizem que quando você se tornar mãe, nunca mais se sentirá sozinha, se sentirá realizada. Mas, na verdade, às vezes você se sente muito entediada com seus filhos. Às vezes você se sente sozinha com seus filhos. E acho que as mulheres se sentem culpadas quando têm esse tipo de sentimento. Eu queria explorar isso: o fato de você não poder falar sobre esses sentimentos, porque você tem a impressão de que não é uma boa mãe se se sente assim.”

O que vocês acham sobre isso?

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